30 de julho de 2008

Pretextos para fugir do real

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"A uma luz perigosa como água
De sonho e assalto
Subindo ao teu corpo real
Recordo-te
E és a mesma
Ternura quase impossível
De suportar
Por isso fecho os olhos


(O amor faz-me recuperar incessantemente o poder da provocação.

É assim que te faço arder triunfalmente onde e quando quero.

Basta-me fechar os olhos)

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Por isso fecho os olhos
E convido a noite para a minha cama
Convido-a a tornar-se tocante
Familiar concreta
Como um corpo decifrado de mulher
E sob a forma desejada
A noite deita-se comigo
E é a tua ausência
Nua nos meus braços
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Experimento um grito
Contra o teu silêncio
Experimento um silêncio
Entro e saio
De mãos pálidas nos bolsos."
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Alexandre O´Neill

26 de julho de 2008

Detalhe

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"Por detrás de cada flor
há um homem de chapéu de coco e sobrolho carregado.
Podia estar à frente ou estar ao lado,
mas não, está colocado
exactamente por detrás da flor.
Também não está escondido nem dissimulado,
está dignamente especado
por detrás da flor.

Abro as narinas para respirar o perfume da flor,
não de repente (é claro) mas devagar,
a pouco e pouco,
com os olhos postos no chapéu de coco.

Ele ama-me. Defende-me com os seus carinhos,
protege-me com o seu amor.
Ele sabe que a flor pode ter espinhos,
ou tem mesmo, ou já teve,
ou pode vir a ter,
e fica triste se me vê sofrer.

Transmito um pensamento à flor
sem mover a cabeça e sem a olhar
De repente,
como um cão cínico arreganho o dente
e engulo-a sem mastigar."
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António Gedeão.
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20 de julho de 2008

Reflexos

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"A tarde fria arrasta-nos para dentro da cama.
Aos poucos deixamo-nos ficar..., por ali.
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Fixo a fraca coluna de sol mergulhar pelo vidro da janela...

e sustentar-se friamente no soalho silencioso.
As tuas costas flutuam amparadas no colchão.
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Lentamente deixas cair o braço para fora da cama.
Sorrio não só por te sentir adormecida
mas também por a tua pulsação ser como uma balada,
- o seu refrão será sempre um refresco -
e as suas melodias ainda que electrónicas
estarão sempre à nossa espera.
nos head-phones abandonados
sobre a mesa de cabeceira."

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João Miguel Queirós